por Elizabet Letielas | 3º ano de Jornalismo
Um baú ao centro do palco, em um chão repleto de pétalas brancas e vermelhas, entre duas cadeiras e cercado de quatro velas ao ar e mais cinco no chão, ali estavam as Marias que emocionaram a plateia do Mini-Guaíra com histórias fortes sobre opressão, abusos e luta das mulheres, às 17h00 deste domingo de páscoa (27).
“Sobre lendas e mulheres” busca contar mitos que a sociedade espalha sobre o sexo feminino e mostrar que, como todo mito, os fatos relatados não passam de boatos populares que são quebrados no palco.
“A mim deram pano e prato. Ensinaram-me tanta vergonha em ter prazer que eu acabei sentindo prazer em ter vergonha. Eu acho que homem tem que ter saco mesmo, já que mulher tem que ter peito” é o começo de uma das lendas. E continuam: “Tem que pintar todas as unhas, certo?! Dos pés, das mãos. Maquiar para ir para guerra sob salto desumano, me depilar de forma extremamente dolorosa e ainda ter que pisar bem firme sob um chão desnivelado pelas cobranças ancestrais. Casar, ter filhos, amamentar e sangrar todos os dias por um mundo masculinizado. E manter tudo bem, tudo em ordem, em paz e as pernas, as pernas meu bem, sempre abertas se deliciando no orgasmo que na maioria das vezes é tão fingido.” E o discurso segue buscando desconstruir a visão já moldada que a sociedade tem da mulher.
Divididas em diversas Marias, Cleo Cavalcantty e Luana Godin contam, aos poucos, sobre algumas Marias do livro “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, que deu origem à peça. Uma das Marias, Maria Olga, é interpretada pelas duas atrizes como uma sendo o lado Maria da personagem e a outra sendo a Olga. Casada, Maria Olga é assassinada a tiros por seu marido após ele descobrir uma traição de sua esposa. “Por não entender o gesto tão absurdo, aconteceu que ele se equivocou e matou a Maria, somente a parte que lhe cabia, ao invés de matar a outra, a Olga.”
As lendas se resumem em mostrar a mulher como alguém maternal, discreta, feita para homens e para serem seu oposto, um ser delicado e amável. E então, com mais um discurso elas protestam contra essas afirmações: “Eu quero ter o direito de fazer um aborto e sair pela porta da frente, eu quero ter o direito de usar a roupa que eu quiser sem ser censurada, eu quero ter o direito de me apaixonar por uma mulher e não ter a minha vida em risco por conta disso. Eu tenho direito de ter os mesmos direitos” elas protestam, mostrando que dificilmente um homem é julgado em sociedade por esses motivos. “Eu nunca mais quero ouvir ‘nossa, tão linda que nem parece negra’.” vocifera Cleo, encerrando este ato.
Apontando para as mulheres, que eram a maioria da plateia lotada, elas satirizam algumas críticas que são feitas a elas o tempo todo. Com o dedo em direção a uma moça à esquerda, uma delas diz ‘aquela ali não se depila, ui, credo’. Apontando para outra, elas dizem ‘aquela ali diz que adora ter orgasmo’ e dão risadinhas maldosas. E continuam ‘você viu aquela ali? Ela tem três filhos, cada um de um homem diferente’ e a olham com cara de reprovação, mostrando que, muitas vezes, o veredito vem de uma mulher para outra, diminuindo a sororidade no mundo feminino e fortalecendo o preconceito.
Durante o tempo em que contam histórias de Marias que morreram pela luxúria, Maria que enfeitiçava os homens, Maria que transformava lobos em mulheres livres, elas cantavam diversas músicas em espanhol que reforçavam a força feminina. “Eu inventei Marias más, Marias capazes de pensamentos tão perversos. (…) Marias tortas, lançadas no mundo a noite, no escuro, de madrugada. Talvez, por medo de olhar para mim mesma, Marias capazes de amar perdidamente. Invejosas, cruéis, assassinas, capazes de tudo para viver um amor intenso, sem medo. Corajosas até, eu diria. Eu criei tantas Marias tortas até porque eu não sabia que Maria eu era.” elas finalizam sobre as Marias e sentam-se nas cadeiras, pegam o baú e devolvem cada objeto que colocaram em seu corpo para se transformarem em Marias, fosse um sapato vermelho, um batom, uma joia.
Feita para mulheres que sofriam qualquer tipo de violência, que não tinham autoestima, que estavam denegridas e eram cuidadas pelo Centro Feminino de Resgate de Minas Gerais, a peça foi apresentada pela primeira vez em 2012 e só chegou este ano em Curitiba. Baseado em escritos da produtora e atriz Cleo Cavalcantty e da escritora Clarissa Pinkola Estés, o texto, a performance e as histórias foram aplaudidas de pé e com lágrimas por mulheres como a professora Janaína Henriques de 35 anos que se sentiu uma Maria representada. “Esse tema trata de liberdade interna, externa e social. Pra mim confirmou que a gente não está sozinha, essa mulherada tá junta” ela desabafa, ainda emocionada.
“As mulheres se reconhecem na gente” diz Cleo sobre a reação final do público. Para ela, a peça busca mostrar a mulher selvagem, que é sem vergonha, sem medo. Ela resume ‘Sobre Lendas e Mulheres’ em uma frase: “Tanto a mulher quanto o cavalo não sabem a força que tem. Se soubessem não viveriam presos a um barbante.”.
Próximas apresentações:
28/03 – Mini-Guaíra – Aud. Glauco Flores de Sá Britto às 21:00
29/03 – Mini-Guaíra – Aud. Glauco Flores de Sá Britto às 12:00
30/03 – Mini-Guaíra – Aud. Glauco Flores de Sá Britto às 15:00
Gênero: Conto
Valor: R$ 30,00
Ingressos na bilheteria do Teatro